Dekassegui

No dia 15 de Abril de 1933, meus avós desembarcaram no Porto de Santos, depois de dois meses de viagem num navio. Partiram do Japão, abandonando sua pátria, familiares, uma vida sofrida e pobre. Partiram em busca de um sonho, trabalhar num país do outro lado do mundo que oferecia propostas tentadoras de dinheiro rápido. Partiram sem saber falar nenhuma palavra desse país. Partiram sem saber sua cultura e o que os aguardava. Partiram com a promessa de enriquecerem e voltarem a sua terra natal depois de alguns anos.
Foram trabalhar nas plantaçoes de café de São Paulo, rotina longa e cansativa de domingo à domingo. De sol a sol. Quanto mais membros da família trabalhando, mais dinheiro recebiam. Não foram poucas as crianças que, ao invés de brinquedos, recebiam uma enxada para ajudar a família.
Como vieram com a intenção de voltar ao Japão em poucos anos, viviam em guetos, falando japonês e ensinando a língua a seus filhos. Não se misturavam com os nativos, viviam numa bolha, não se esforçando para se integrarem à sociedade local. Para quê? Logo estariam embarcando de volta para casa, pensavam...
Os anos foram passando e o dinheiro não veio tão rápido quanto pensavam. Foram prolongando sua estada, prolongando... até que se acostumaram ao país. Só que nunca deixando de lado a cultura japonesa. Não são raros os casos de imigrantes japoneses que morreram no Brasil sem falar uma palavra em português, ou quando muito, uma ou outra palavra portuguesa (entre eles, meu próprio avô).
Esses imigrantes tiveram filhos, netos, bisnetos. Seus descendentes foram para a escola brasileira e aprenderam o português. Estudaram e se formaram na faculdade. Casaram com não-descendentes de japoneses, coisa que era abolida nos primórdios da imigração no Brasil. Hoje, nós descendentes de japoneses fazemos parte da sociedade brasileira assim como todos os descendentes de imigrantes de outros países que foram para lá com o mesmo sonho.
Infelizmente, a economia ruim do nosso país nos obrigou a buscar oportunidades em outros lugares. Nos anos 80, com o Japão vivendo a bolha econômica, era necessária muita mão-de-obra nas fábricas japonesas e, assim, abriram suas portas para os descendentes de japoneses que viviam em outros países. Bastava apresentar um documento mostrando sua descendência ao Consulado para obter o visto. Iniciava-se o movimento dekassegui.
Em Setembro de 1990, eu e mais duas amigas, largamos nossos empregos, familiares e fomos em busca do nosso sonho no Japão. Com a promessa de ganhar muito dinheiro trabalhando nas fábricas japonesas. Saímos sem entender muito a língua de nossos avós. Saímos com a intenção de voltar em dois anos, no máximo. Aqui descobrimos que a rotina é longa e cansativa. Aqui descobrimos que o custo de vida é altíssimo e não conseguimos economizar como imaginávamos. Aqui descobrimos que não temos mais pátria. No Brasil, somos chamados de japoneses e aqui somos gaijin (estrangeiros). A maioria vivendo em guetos, falando português, vendo programas em português, lendo livros e revistas em português. Comendo comida brasileira, indo em restaurantes brasileiros. Casamentos entre brasileiros, filhos em escolas brasileiras. Lógico que com tudo isso, o choque social é grande. Muitos não conseguem se integrar à sociedade japonesa e, pior, não aceitam a cultura local.
Estamos fazendo o caminho inverso de nossos avós, mas depois de 20 anos de movimento dekassegui, ainda é uma incógnita o nosso futuro.